quinta-feira, 31 de março de 2005

101 Anos!

A 31 Março de 1904 foi inaugurado o primeiro troço do eléctrico de Sintra . O percurso inicial tinha uma extensão de 8900 metros, mas foi prolongado mais tarde, a 10 de Julho desse ano, até à Praia das Maçãs (onde actualmente fica a estação terminal), totalizando assim uma distância de 12685 metros. Só algum tempo mais tarde, o eléctrico chega às Azenhas do Mar.



Neste pequeno ‘comboio’, como muitos lhe chamam, pode viajar-se e contemplar-se os mais belos cenários dos arredores da Vila de Sintra.
Inicialmente pensado para assegurar o transporte de passageiros e de mercadorias entre a sede do concelho e os campos agrícolas, onde se produziam diversas variedades de fruta e o conceituado vinho “ramisco”, o eléctrico que liga Sintra à Praia das Maçãs é visto agora apenas como um transporte alternativo, lúdico e histórico.
Devido ao valor e idade dos carros eléctricos, e principalmente para evitar o transporte de massas (como aconteceu no verão passado), este meio de transporte tão característico vai ter novas tarifas a partir do dia 1 de Junho. A viagem passa a custar 2 euros, sendo que o meio bilhete custa 1 euro. As crianças com menos de 4 anos, não pagam.

Vale a pena uma viagem!

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terça-feira, 29 de março de 2005

Recordam-se do "Angra"?

Neste mesmo dia, há 22 anos (curiosamente a uma terça-feira!), mais propriamente em 1983, o cargueiro Angra encalhou na Praia Grande.
O Angra era um navio de 50 metros, com pavilhão canadiano, bandeira liberiana e tripulação portuguesa e cabo-verdiana.
Devido ao mau tempo que se fazia sentir, e às fortes correntes tão típicas desta praia sintrense, o cargueiro andou à deriva acabando por encalhar no vasto areal, perto das rochas (do lado esquerdo de quem está frente ao mar).
A tripulação foi ajudada por alguns locais que se encontravam nas imediações. Alguns destes locais abriram mais tarde o Restaurante Angra, localizado em frente à praia e do qual são proprietários desde então. Aí, expostas nas paredes, podem observar-se algumas fotografias do famoso cargueiro que, devido à sua imponência, acabou por ter de ser desmantelado peça a peça, visto esta ser a única forma de o remover do areal da Praia Grande.

Eu lembro-me tão bem! Tinha oito anos e recordo-me de ter andado lá por cima, no convés do cargueiro, enquanto o desmantelavam. Engraçado... há coisas que não se esquecem!

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segunda-feira, 28 de março de 2005

Uma brisa parisiense no coração de Sintra

Café Paris

“Imaginez une place au coeur du vieux Sintra. Sur la terrasse en escalier du restaurant, on peut admirer le palais royal avec ses tours coniques qui se détachent dans le bleu d'azur, le vendeur de marrons, les touristes qui, telle une nuée d'abeilles, entrent par essaim dans les boutiques récolter quelque souvenir de cette ville patrimoine”.
(In http://www.saveurs.sympatico.ca)

Não resisti a deixar este pequeno textinho na língua original... aqui fica a tentativa de tradução (da minha inteira responsabilidade):
"Imagine um local, situado no coração da velha Vila de Sintra. No terraço, ao cimo das escadarias do restaurante, pode-se admirar o Palácio Real, com as suas chaminés cónicas que se destinguem no azul celeste, o vendedor de castanhas, os turistas que, tal como uma nuvem de abelhas, entram em multidão nas pequenas lojas em busca de uma qualquer lembrança desta vila património da humanidade".

Um sítio muito agradável, especialmente para um jantar romântico.
Um típico café dos finais do século XIX, com uma decoração muito inspirada na arte Déco do início do século. Aqui se sentou, entre muitos outros e por diversas vezes, o grande Eça de Queiroz...
Aos estreantes, aconselho como entrada, endivas gratinadas ou angulas, e como prato principal um châteaubriand béarnaise, que cai sempre bem... Vão até lá e... BONNE APPÉTIT!

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quinta-feira, 24 de março de 2005

William Beckford, o homem que estudou música com Mozart

A 24 de Março de 1787, precisamente há 218 anos, chegava ao nosso país o milionário inglês William Beckford.
Este homem, também escritor, descreve nas suas memórias as impressões sobre o nosso Portugal, especialmente Sintra (onde habitou) e Alcobaça.


Escritor, antiquário e crítico de arte inglês, William Beckford nasceu a 29 de Setembro de 1760 (ver arquivo). Estudou música com Mozart e arquitectura com Sir W. Chambers, o maior arquitecto do seu tempo.
Veio a Portugal pela primeira vez em 1787 e habitou a Quinta do Ramalhão. Regressou em 1793 e, no ano seguinte, instalou-se em Monserrate, fazendo obras nos jardins e redecorando a vivenda.
Celebrizou-se com a publicação do seu livro Vathek, em 1786.
Autor romântico, teve grande influência na obra de Byron, nomeadamente em Childe Harold's Pilgrimage.
Depois de Beckford, Monserrate passou por mais de meio século de abandono. Lord Byron deu conta disso, aquando da sua passagem por Sintra, em 1809:
“Aqui moraste, e aqui sonhaste ser feliz, vendo ao longe a montanha: a beleza imutável. Agora, este local parece amaldiçoado: Teu palácio está só como tu próprio és só”.
(Lord Byron, In Childe Harold’s Pilgrimage, 1809)

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quarta-feira, 23 de março de 2005

O Património Europeu


Está a decorrer, desde dia 1 de Março, o II Concurso de Internet “Navegando pelas Cidades Património Mundial" da Europa do Sul e Mediterrâneo da OCPM.
Este concurso tem, mais uma vez, o intuito de dar a conhecer a riqueza do património mundial, bem como o trabalho desenvolvido por parte da Organização das Cidades do Património Mundial (OCPM).
Os interessados têm até dia 31 de Julho para participar!
Para tal, e se está interessado, consulte o site da Secretaria Regional da Europa do Sul/Mediterrâneo da OCPM em http://www.ovpm-resm.org/noticias/basesconcurso.htm, onde está um formulário a ser preenchido pelos candidatos, onde se tem de responder a que cidades e países correspondem as 34 fotografias aí existentes.
O prémio único é de 1200 Euros, e vai ser atribuído mediante sorteio entre todos os formulários devidamente preenchidos. O resultado será posteriormente publicado no site http://www.ovpm.org.

A Vila de Sintra (que está entre uma das fotografias patentes no formulário) foi classificada pela UNESCO como Património da Humanidade a 6 de Dezembro de 1995.

Eu já participei!!!

quinta-feira, 17 de março de 2005

Vistas de Sintra II


Vila de Sintra

Foto de Eduardo Veloso

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terça-feira, 15 de março de 2005

Camilo nasceu há 180 anos!

“Era já pleno estio. Os galans mais hardidos de Lisboa estanceavam por Sitiaes, por Pisões, e por aquellas varzeas de Collares, a engarrafar lyrismo para gastarem por salas nas noites de inverno.”
Camilo Castelo Branco, In “A Queda de Um Anjo”, (1866)

Camilo Castelo Branco

Passam hoje 180 anos sobre o nascimento de Camilo Castelo Branco. Um dos enormes vultos da literatura portuguesa. Mais um dos escritores que se renderam às maravilhosas paisagens e ao ambiente fantástico da Vila de Sintra e arredores.
Amava Sintra (como se fosse possível o contrário) e visitou-a por diversas vezes.
Tal como outros célebres escritores do século XIX, entre os quais Eça de Queiroz, Lord Byron, Alexandre Herculano e William Beckford, costumava ficar alojado no Lawrence’s Hotel – o mais antigo da Península Ibérica - situado na Vila de Sintra e onde, ainda hoje, muitos dos quartos e suites evocam os nomes destes ilustres hospedes.

Lawrence's Hotel

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu em Lisboa a 16 de Março de 1825, na freguesia dos Mártires, num prédio da Rua da Rosa, actualmente com os nºs 5 a 13. Filho de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco (oriundo de uma família nobre) e de Jacinta Rosa do Espírito Santo Ferreira (filha de modestos pescadores de Sesimbra), foi baptizado na Igreja dos Mártires a 14 de Abril de 1825. Os seus padrinhos foram o Dr. José Camilo Ferreira Botelho, de Vila Real, e Nossa Senhora da Conceição.
Camilo e a sua irmã Carolina foram registados como filhos de mãe incógnita, pelo que se diz, porque o seu pai e a sua avó não queriam que o nome Castelo Branco estivesse envolvido com alguém de tão humilde condição.
Sua mãe faleceu muito cedo, quando Camilo ainda não tinha completado dois anos de idade. A morte do pai, quando tinha 10 anos de idade, obriga-o assim a ir viver para Trás-os-Montes, para casa da Tia Rita. Como era uma criança sensível e muito inteligente, Camilo vai sofrer grandes perturbações com todos os acontecimentos da sua infância.
Ao longo da sua existência revelou-se um falhado nos estudos e nos amores.
Camilo frequentou Medicina, Anatomia e Fisiologia, Química, Botânica, nunca terminando qualquer deles. Entre 1851 e 1852 ainda tentou abraçar o sacerdócio, mas acabou por desistir mais uma vez.
As vicissitudes da vida fazem-lhe despoletar a ideia de que a fatalidade e a desgraça são destinos a que não pode escapar. Foi um profissional das letras multifacetado, cuja obra o posicionou como uma das figuras mais eminentes da literatura portuguesa.
Teve quatro filhos, uma de Joaquina Pereira de França e três do seu “amor de perdição” Ana Plácido.
Suicidou-se a 1 de Junho de 1890, na freguesia de Ceide, em Vila Nova de Famalicão. A orfandade aos poucos anos de vida, os falhanços na área amorosa, a ganância dos familiares, as vidas frustradas dos filhos e, sobretudo, a cegueira impiedosa e cruel que o retirou do mundo das letras e do palco da vida, foram os grandes impulsionadores desta catastrófica decisão.
Para a história ficam obras como “Amor de Perdição” (1862), “Memórias do Cárcere” – 2 vol. (1862), “A Queda de Um Anjo” (1866), “O Retrato de Ricardina” (1868), “A Filha do Regicida” (1875) e “Vulcões de Lama” (1886), entre muitos outros.

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segunda-feira, 14 de março de 2005

Vistas de Sintra I


Queda de Água em Monserrate, Sintra

Foto de António José Serralheiro

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terça-feira, 8 de março de 2005

As "Queijadas de Sintra"!

As deliciosas Queijadas de Sintra parecem ter tido a sua origem na localidade de Ranholas, junto à Quinta do Ramalhão, freguesia de São Pedro de Penaferrim. Aí terá começado também a sua industrialização, pelas mãos de uma senhora chamada Maria Sapa, em meados do século XVIII.
Segundo os arquivos da Torre do Tombo, as primeiras referências às famosas Queijadas de Sintra remontam ao século XIII, reinado de D. Sancho II. Nessa altura, e segundo estes arquivos, as queijadas eram uma forma de pagamento de foros.
Em meados do século XIX, surgiram as principais fábricas ainda existentes, tais como a “Sapa”, a “Piriquita”, o “Gregório” e a “Casa do Preto”.
Muitas são as referências encontradas em Obras Literárias acerca das Queijadas de Sintra.
Camilo Castelo Branco, no seu livro “Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado” (1863), escreve: «Basílio levava na algibeira do albornoz um embrulho de queijadas da Sapa».
(Foto: CMS)

Para os mais afoitos e prendados, deixo aqui a receita, mas o melhor é mesmo ir a Sintra e experimentar as genuínas e deliciosas “Queijadas de Sintra”!!!

INGREDIENTES:

Massa:
250 g de farinha;
agua e sal.

Recheio:
400 g de queijo fresco sem sal;
350 g de açúcar;
4 gemas de ovos;
60 g de farinha;
1 colher de café de canela.

PREPARAÇÃO:

Prepara-se a massa com 24 h de antecedência e deverá ficar bastante rija.
Para evitar que a massa ganhe crosta, cobre-se durante o descanso com um guardanapo seco, sobre o qual se põe um pano molhado.
No dia seguinte passa-se o queijo (que não deve ter sal) pelo "passe-vite" e mistura-se com o açúcar. Juntam-se as gemas, a farinha e a canela e bate-se tudo de modo a obter um preparado homogéneo.
Estende-se a massa muito fina com o rolo e a ajuda de farinha. Com um copo ou um corta-massa corta-se a massa em círculos com 6 cm de diâmetro. Com uma tesoura dão-se 6 golpes nos bordos da massa de modo a facilitar o enconchar e formam-se com os círculos de massa forminhas pequenas (tipo queques, mas com o fundo abaulado). Recheiam-se com o preparado, colocam-se em tabuleiros e levam-se a cozer em forno muito quente (cerca de 400º) durante 8 a 10 minutos.

In Malha Atlântica

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segunda-feira, 7 de março de 2005

Não parece... mas é Sintra!







É verdade! Estas magníficas fotos são parte de uma exposição patente no Palácio Valenças, e que relembra os nevões ocorridos na Vila de Sintra em Março de 1944 e em Fevereiro de 1954. A exposição "Sintra... de Branco" é composta por uma colecção de 70 fotografias e vai estar aberta ao público até dia 15 de Maio.
Uma mostra única e... a não perder!

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quarta-feira, 2 de março de 2005

A Imperadora dos palcos

Amélia Rey Colaço (1898 – 1990)

Hoje faria 107 anos, se fosse viva. É um ícone do teatro português. A ele dedicou toda a sua existência.
Com o actor Robles Monteiro fundou a sua própria companhia de teatro (a companhia Rey Colaço-Robles Monteiro), que duraria cerca de 53 anos.
Foi uma grande impulsionadora da arte e amava Sintra, onde tinha uma casa de férias em Fontanelas. Na rua onde viveu, nesta pequena aldeia, reside uma placa com um poema, escrito pelo também já desaparecido e poeta popular José Valentim:

«Lembro a casa passo
o teatro verdadeiro,
com Amélia Rey Colaço
e seu esposo Robles Monteiro»


Foi pela mão desta grande actriz que, em 1976, o Grupo de Teatro de Fontanelas e Gouveia ( um dos mais antigos teatros amadores de Portugal), leva a revista “Que se passa camarada” ao programa de televisão “TV Palco” de Igrejas Caeiro.
Fernando Dacosta publicou, aquando do centenário do seu nascimento, na revista Visão, um excelente perfil que vale a pena recordar:

Descalça no jardim
Natália Correia e Fernanda de Castro chamavam-lhe, pelo seu porte aristocrático e energia marcial, a Imperadora.
Oriunda de famílias de aristocratas e artistas (o pai era o compositor Alexandre Rey Colaço, professor dos príncipes, a avó, a célebre Madame Reinhardt, com salão literário e musical em Berlim), Amélia recebe, desde criança, uma formação invulgarmente requintada.
Apaixona-se pelo teatro aos 15 anos, ao ver, na Alemanha, os espectáculos de Max Reinhardt. Recebe aulas de Augusto Rosa e, a 17 de Novembro de 1917, estreia-se no Teatro República, na peça Marinela. Para fazer a personagem, uma rude vagabunda, aprende, durante meses, a andar descalça e a usar farrapos, no interior do jardim do seu palacete. O êxito é retumbante.
Casa, em Dezembro de 1920, com o actor Robles Monteiro, um ex-seminarista vindo da Beira Baixa, para trocar, a conselho do bispo (entusiasmado com as suas récitas religiosas), o altar pelo palco. Rapidamente os dois fundam uma companhia própria - será a mais antiga (durou 53 anos) da Europa.
Amélia imprime aos seus espectáculos um cunho de elegância, de bom-gosto, de invenção, de requinte desconhecidos entre nós. Chama pintores prestigiados para colaborarem com ela, casos de Raul Lino, Almada Negreiros, Eduardo Malta. Contrata nomes que são ídolos do público (Ângela Pinto, Palmira Bastos, Nascimento Fernandes, Alves da Cunha, Lucília Simões, Estêvão Amarante, Maria Matos, Vasco Santana) e revela, fazendo escola, novos actores, como Raul de Carvalho, Álvaro Benamor, Maria Lalande, Assis Pacheco, João Villaret, Augusto de Figueiredo, Paiva Raposo, Pedro Lemos, Eunice Muñoz, Carmen Dolores, Maria Barroso, João Perry, Madalena Sotto, Helena Félix, Rogério Paulo, José de Castro, Lurdes Norberto, Varela Silva, João Mota.
Robles Monteiro, um dos maiores ensaiadores do teatro português, apaga-se deliberadamente para a projectar. «Toda a sua vida foi feita em função de mim. Trocou as suas ambições pelas minhas. Tinha os seus sonhos próprios e pô-los de lado pelos meus sonhos», afirmar-nos-á Amélia Rey Colaço.

Época de oiro
A concepção que Amélia Rey Colaço tinha do que devia ser uma companhia nacional resultou em pleno. Fará no século XX o mesmo que Almeida Garrett no XIX.
Actuando em vários planos, estrutura, primeiro, uma companhia coesa e disciplinada, metódica e exigente. A seguir, joga na dignificação social do actor, conquistando para ele um estatuto de superioridade inovador. Organiza, ao mesmo tempo, um reportório ambicioso, diversificado, alternando contemporâneos com clássicos, estrangeiros com portugueses. Abre (e nisso foi única) as portas à dramaturgia nacional, fomentando-a, recompensado-a como ninguém mais fez depois dela.
O incentivo dado aos nossos autores fê-los conhecer, contra a Censura e o dirigismo cultural, uma época de oiro. José Régio, Luiz Francisco Rebello, Bernardo Santareno, Romeu Correia, Miguel Franco são alguns dos que, então, se afirmaram.
«Nesse período admirável de ressurgimento da nossa dramaturgia são levadas à cena 116 peças de autores nacionais, 63 em estreia absoluta», anota Vítor Pavão dos Santos, para quem a Companhia Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro «é a espinha dorsal do teatro português do século XX».
«Amélia Rey Colaço soube, como ninguém, manter a chama do teatro apesar da ditadura. Conheci muitas pessoas do teatro e ela foi a única que me ensinou, pessoalmente, algo dos seus diversos ofícios», comenta-nos o dramaturgo Mário Sério.

Salazar admirava-a
Com ousadia revela, por outro lado, o que de mais avançado surge no mundo: Jean Cocteau, Jean Anouih, Lorca, Valle Ínclan, Alejandro Casona, O'Neill, Tennessee Williams, Arthur Miller, Pirandello, Eduardo De Filippo, Diego Fabri, Max Firisch, Ionesco, Durrenmatt, Albee, Pinter.
Apaixonada por Brecht, pede ao ministro da Educação (entidade que tutelava o teatro Nacional) uma audiência. Ao entrar no seu gabinete, o governante diz-lhe: «Se vem cá pedir para eu autorizar esses comunistas de que gosta, o Brecht, o Camus, o Sartre, pode ir-se embora». Amélia pára e diz: «Então, boa tarde», e dá meia volta.
Salazar gostava do seu porte altivo e grave. Apreciava-lhe a fineza, a inteligência, a cultura. Ficava-se a ouvi-la, quando se deslocava aos ensaios gerais das suas peças (nunca ia a estreias), com curiosidade, com prazer. Ela não lhe fazia pedidos, ele não lhe agredia a independência.

Anciã belíssima
Aos 90 anos, Amélia Rey Colaço era uma anciã belíssima, serena por fora, vibrátil por dentro. Luminosidades intensas fulguravam-lhe com frequência o olhar, como se a alma, a energia se quisessem libertar do corpo que as arqueava.
Era um ser notável de sedução, de ironia, de humildade, de orgulho. Como poucos, sabia aproximar-se e distanciar-se, revelar-se e ocultar-se. Tornou-se numa personagem ficcionada, encenada por si própria com, por vezes, genialidade.
O reverso dos aplausos, das benesses, chegar-lhe-ia penosamente à medida que a companhia se decompunha por incêndios, por bloqueios, por incomprensões, em agonia lenta, densa. «O meio fechou-se, os críticos estavam, no final, contra nós», recorda-nos Mariana Rey Monteiro.
Em princípios de 1974, Amélia Rey Colaço regressa ao S. Luiz, de onde partira. O ciclo fecha-se. Pouco depois dá-se o 25 de Abril. Percebendo que a vão encarar como um símbolo do Estado Novo, suspende a companhia e sai de cena.
Assume a injustiça com dignidade, com discrição. Em silêncios imerge no outro lado da ribalta, o da penumbra, o do apagamento. Para trás dela ficam - o futuro irá comprová-lo - espectáculos (a Castro, O Processo de Jesus, A Visita da Velha Senhora, Tango) que são obras-primas, patrimónios preciosos da nossa cultura, da nossa memória.

Recordações nefastas
«Incêndios em teatros», e «datas em 8» perseguiram dramaticamente a actriz durante a vida. Quatro edifícios onde actuou foram, com efeito, pasto das chamas, ruindo dois por completo.
A série começa no São Luiz (ex-Teatro República), que arde pouco antes de Amélia se estrear. Logo a seguir, o fogo obriga-a a deixar o Trindade, onde se instalara. Radicada no D. Maria, por concessão pública, vê as labaredas reduzirem-no a escombros na noite de 2 de Dezembro de 1964. Três anos mais tarde, o Avenida, onde se acolhera, transforma-se em cinzas. Novo incêndio (no Capitólio) obriga-a, em 1970, a nova mudança (para o Trindade).
As datas terminadas em 8 revelam-se-lhe; entretanto (anota a revista Guia na sua última edição), um flagelo. A avó materna e o pai, por exemplo, falecem em 1928, a mãe em 1938, o marido e o genro em 1958.
Dificuldades graves obrigam-na a deixar, em 1968, a moradia onde nascera, na Lapa. A sua companhia é oficialmente extinta em 1988, altura em que a actriz se vê obrigada a leiloar o recheio da casa do Dafundo (cedida pela marquesa do Cadaval) e a abandoná-la. A 8 de Julho morre, em Lisboa, junto da filha.”

Fernando Dacosta, In Visão, 26 de Fevereiro de 1998

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