sexta-feira, 22 de outubro de 2004

"As Farpas", Outubro (1888) - Parte III

"A decoração humana tem de ser aqui completamente diversa da do Ribatejo. Por baixo das árvores dos Pisões, no perfume das Madre-silvas e das rosas chá, entre o murmúrio das águas e o gorjeio das cotovias, o campino, de cinta e colete encarnado no cavalo lanzudo, ferrado à ligeira, de sela semi árabe, e chairel de pele de cabra tem o ar nostálgico de se arrepiar de frio e de bocejar de tédio.
Os divertimentos que em Sintra condizem com os aspectos da natureza são os jogos ingleses de jardim, os concursos hípicos, as corridas de cavalos, as batalhas de flores.
A temporada deste verão foi excepcionalmente fértil em diversões desse género. Não se chegaram a realizar os concursos hípicos, os quais em toda a Europa têm tomado um tal incremento entre os prazeres da alta sociedade, que Francisque Sarcey exprimia ainda outro dia o justificado receio de que esta espécie de espectáculos viesse a matar, em breve tempo, o gosto pelo teatro. Mas, se as pessoas que em Sintra têm cavalos e carruagens não organizaram um certame formal, iniciaram-no indirectamente.
A batalha das flores, organizada em benefício dos pobres da localidade, se não foi um concurso, foi já uma grande parada e uma bela revista de sport, em que se exibiram em grande gala no meio de um considerável luxo de flores, de pastilhas e de lindas toilettes de verão, os mais belos cavalos de tiro e as mais elegantes carruagens de campo e de passeio.
A série de bailes foi inaugurada pela Princesa Amélia. A casa ocupada pelos duques de Bragança é a antiga quinta do Relógio. O prédio, relativamente pequeno, de um só pavimento, abre para os jardins um recanto do caminho dos Pisões, por uma fachada um pouco teatral, em três ou quatro arcos de volta de ferradura, em estilo árabe.
A dois bailes dados na quinta do Relógio seguiram-se vários outros nas principais casas aristocráticas de Sintra, sendo o último o dos condes do Paço de Lumiar na linda propriedade dos marqueses de Pombal, e o penúltimo em casa dos duques de Palmela". (Cont.)

In "As Farpas" (Outubro, 1888), José Duarte Ramalho Ortigão


Quinta do Relógio

P.S. - Mais tarde prometo contar um pouco da história deste magnífico edifício, utilizado nos anos 90 para festas ('raves' mais propriamente), que acabaram por destruir ainda mais esta obra arquitectónica!

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